Do site: http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,mobile,585987.htm
Projeto estético ainda privilegia apenas o exercício de estilo
Quinta, 26 de Julho de 2010, 00h00
Análise: Jefferson Del Rios/ ESTADO DE SÃO PAULO
Uma lanchonete especializada em hambúrguer onde os funcionários são enquadrados na impessoalidade de robôs; a família suburbana petrificada na rotina até que um crime acontece; uma sala de segurança de uma empresa que também pode ser um presídio. Três enredos, de aproximadamente 45 minutos cada um, formam Tríptico, do grupo Club Noir, dirigido por Roberto Alvim. É possível assistir às peças isoladamente, mas o conjunto pretende ser o painel da desesperançada condição humana na atualidade. O dramaturgo norte-americano Richard Maxwell procura dizer que tudo vai mal à vida das pessoas, sem apontar diretamente os motivos ou localizá-los com precisão. A crítica social passa por uma espécie de desolação cósmica em um mundo de trevas pré Fiat Lux do velho Testamento. Maxwell acende o pálido néon do Burger King e anuncia o fim de jogo. Nenhum Godot virá. Os textos, um deles significativamente intitulado O Fim da Realidade, receberam na montagem paulistana um extremado tratamento anti- ilusionista e antipsicologizante. Estamos diante de metáforas visuais que evitam até o encanto dos rostos humanos ao vivo, os olhares. Dispensam a poderosa máscara dramática da atriz Juliana Galdino, usando mais sua maestria vocal, o que também acontece com os demais bons intérpretes. As cenas são em negativo, escuras e emolduras por claridade lateral ou de fundo. Caso se busque referência externa se chegará à pintura surrealista ou aos quadros de Hooper e, muito, às histórias em quadrinhos. O Club Noir leva seu nome ao limite no projeto estético que privilegia o exercício de estilo. O conteúdo da obra, nesse caso, passa ao segundo plano diante da forma, quando o público precisa decifrar contornos na obscuridade do palco.Recortes com vozes. Pode-se argumentar que é, exatamente, um meio de se reforçar um texto, mas ele se esfria em jogos verbais sincopados, sem nuances, enigmáticos, mas previsíveis a partir de determinado momento. Instaura-se assim a primazia do game eletrônico ou graphic novel. Geometria humana com falas brancas, gritos súbitos e apagões da cena. Em seguida, tudo recomeça. O elenco tem impecável domínio da verbalização que vai da linearidade do canto gregoriano aos estampidos verbais. É engenhoso, tem maestria, mas o abstrato perde o mistério presente, por exemplo, na aridez de Beckett ou Kafka. A engrenagem cênica substitui a dimensão metafísica e política. A encenação se sobrepõe ao "pesadelo refrigerado", expressão do escritor Henry Miller ao reencontrar a América depois de anos de Europa. É contraditório porque temos o espetáculo sólido, mas não o que o programa de Tríptico oferece como "aspectos terríveis da contemporaneidade" com "personagens e situações que, em tons monótonos e inabaláveis desdramatizam e desconstroem nossa suposta normalidade, expondo claustrofóbicos mecanismos sociais de controle". Esses elementos estão parcialmente em cena, mas sem provocar uma revelação maior. Talvez valha a pena tomar cuidado com a monotonia de Maxwell ou de qualquer outro. Mesmo assim, algo vibra internamente no espetáculo. As inquietações de Roberto Alvim, Juliana Galdino e companheiros insinuam que estão atrás de "estranha beleza" para desequilibrar o teatro previsível. Não custa sonhar que ela venha com mais claridade. Nos seus cinco anos, o Club Noir tem caminhado em meio às tentações da vanguarda como mera atitude. Vale a pena acompanhá-lo.
teatro - bistrô - café - livraria - jazz
quinta-feira, 29 de julho de 2010
terça-feira, 27 de julho de 2010
Entrevista com Richard Maxwell
Do site: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100726/not_imp585979,0.php
Fora da nova ordem mundial
Um dos nomes mais radicais da cena contemporânea, o norte-americano Richard Maxwell recusa os novos recursos multimídias e inaugura um 'drama não-dramático'
Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo
O norte-americano Richard Maxwell não diz exatamente aquilo que se espera ouvir de um "homem" de teatro: confessa que não consegue dialogar com Shakespeare, compara sua obra ao punk rock e conta que se importa, sim, com o que os críticos comentam sobre seu trabalho.
Saudado como um dos mais instigantes nomes da dramaturgia contemporânea, o diretor da companhia New York City Players esteve no Brasil na semana passada para participar do Festival Internacional de São José do Rio Preto. Com ingressos esgotados para as seis sessões, seu espetáculo Ode ao Homem que se Ajoelha foi uma das grandes apostas da programação, que terminou anteontem, e surpreendeu o público ao apresentar cenas de um realismo absolutamente antirrealista e subverter gêneros canônicos de seu país, como o faroeste e o musical. Na entrevista a seguir, Maxwell conversou, a pedido do Estado, com o diretor Roberto Alvim, curador do FIT e responsável pela montagem de três textos do autor, em São Paulo.
Roberto Alvim: Se compararmos as peças do começo de sua carreira com as últimas, percebemos procedimentos muito diferentes. Como você vê o desenvolvimento da sua dramaturgia?
Richard Maxwell - Acho que a transformação definitiva se dá com o 11 de Setembro, é isso que muda os meus procedimentos. De repente, eu tenho tanta coisa a dizer e não fico mais satisfeito com o silêncio.
Alvim: Neste último espetáculo, Ode ao Homem que se Ajoelha, você sinaliza uma série de alterações de tempo e espaço apenas com a maneira como usa a linguagem. É como se você se apropriasse de uma lógica mais próxima da poesia do que da prosa, que é uma lógica linear. Você vê esse movimento?
Maxwell: Na verdade, eu penso em música enquanto escrevo. Alguma coisa que fala ao coração. Tento ser específico com aquilo que estou sentindo, mas não acho que tenho necessidade de explicar isso. Porque, na maioria das vezes, quando você explica muito uma coisa, o mistério desaparece.
Alvim: Você vem de um país onde existe um método hegemônico de direção de atores, do Actors Studio, e você trabalha em uma direção contrária a esse método.
Maxwell: Acho que o método de direção de atores que predomina hoje nos EUA não tem muito a ver com essa ideia de transe ou da incorporação de um personagem. Isso se transformou em algo muito mais pragmático, muito mais próximo da lógica da indústria. A indústria quer que você finja, eles acham que representar é necessário para se contar uma história, e eu, não. Eu digo aos atores: você não tem de representar. Só tem que viver a situação de interpretar uma peça para uma plateia.
Alvim: Seu país tem uma larga tradição em musicais. E você trabalha sempre ou quase sempre com músicas. Como usa as canções nos seus espetáculos?
Maxwell: Quero saber como o teatro pode tirar vantagem daquilo que só o teatro pode oferecer. O que não tem relação com esse pastiche do teatro multimídia contemporâneo. Eu não tenho nada a ver com isso. Quero recuperar o impulso primeiro de se contar uma história da maneira mais básica. Quando falo com os atores, não estou falando de psicologia, mas de ritmo, a linguagem já é musical.
Alvim: O seu trabalho dialoga com quais autores?
Maxwell: Eu não posso responder a Shakespeare, não está em mim. Está muito distante de quem eu sou: um cara do Meio-Oeste americano. Esses autores que surgiram nos anos 1960, como Harold Pinter e Joe Orton, me dizem mais.
Alvim: Seu material temático é amplo. Pode ser uma estação de segurança, uma casa no subúrbio, faroestes, Idade Média. Como escolhe temas tão distintos?
Maxwell: O importante num trabalho é manter uma atitude de aprendiz. Eu não sei nada, sabe? Sei que estou o tempo todo perdendo informações. E isso me dá um sentimento de desespero. Quando o conhecimento se torna fixo e você se comporta como se estivesse ensinado alguma coisa ao público, isso deixa de ser interessante.
Alvim: Neste começo de século vivemos crises no espectro político e social. Como você se coloca como artista nesse contexto, qual a sua contribuição para o teatro neste momento?
Maxwell: Espero ter algum impacto formal no que está acontecendo. Porque você pode ter um teatro político, um teatro, por exemplo, que fale do sofrimento em Guantánamo, e isso é válido. Mas uma coisa que não vejo ser questionada é o jeito como o entretenimento é automático. Ninguém está falando sobre a forma, sobre o jeito como uma história pode ser contada. Você me perguntou sobre influências. O punk rock - a atitude de ter alguém que mal sabe tocar um instrumento em cima de um palco, fazendo música com o coração dela_ isso me parece importante, isso me move. O que aconteceu no punk é formal. E é isso que eu acho que as pessoas podem tirar do que eu estou fazendo.
TRÍPTICO
Burger King
A peça vale-se da rotina de uma rede de hambúrgueres para analisar os mecanismos de controle da sociedade contemporânea
Casa
De forma crua e sintética, mostra o assassinato do pai de uma família suburbana e alienada por um desconhecido
O Fim da Realidade
Em um grande edifício, um homem, trajado como guarda, ataca os outros seguranças de forma indiferenciada
Fora da nova ordem mundial
Um dos nomes mais radicais da cena contemporânea, o norte-americano Richard Maxwell recusa os novos recursos multimídias e inaugura um 'drama não-dramático'
Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo
O norte-americano Richard Maxwell não diz exatamente aquilo que se espera ouvir de um "homem" de teatro: confessa que não consegue dialogar com Shakespeare, compara sua obra ao punk rock e conta que se importa, sim, com o que os críticos comentam sobre seu trabalho.
Saudado como um dos mais instigantes nomes da dramaturgia contemporânea, o diretor da companhia New York City Players esteve no Brasil na semana passada para participar do Festival Internacional de São José do Rio Preto. Com ingressos esgotados para as seis sessões, seu espetáculo Ode ao Homem que se Ajoelha foi uma das grandes apostas da programação, que terminou anteontem, e surpreendeu o público ao apresentar cenas de um realismo absolutamente antirrealista e subverter gêneros canônicos de seu país, como o faroeste e o musical. Na entrevista a seguir, Maxwell conversou, a pedido do Estado, com o diretor Roberto Alvim, curador do FIT e responsável pela montagem de três textos do autor, em São Paulo.
Roberto Alvim: Se compararmos as peças do começo de sua carreira com as últimas, percebemos procedimentos muito diferentes. Como você vê o desenvolvimento da sua dramaturgia?
Richard Maxwell - Acho que a transformação definitiva se dá com o 11 de Setembro, é isso que muda os meus procedimentos. De repente, eu tenho tanta coisa a dizer e não fico mais satisfeito com o silêncio.
Alvim: Neste último espetáculo, Ode ao Homem que se Ajoelha, você sinaliza uma série de alterações de tempo e espaço apenas com a maneira como usa a linguagem. É como se você se apropriasse de uma lógica mais próxima da poesia do que da prosa, que é uma lógica linear. Você vê esse movimento?
Maxwell: Na verdade, eu penso em música enquanto escrevo. Alguma coisa que fala ao coração. Tento ser específico com aquilo que estou sentindo, mas não acho que tenho necessidade de explicar isso. Porque, na maioria das vezes, quando você explica muito uma coisa, o mistério desaparece.
Alvim: Você vem de um país onde existe um método hegemônico de direção de atores, do Actors Studio, e você trabalha em uma direção contrária a esse método.
Maxwell: Acho que o método de direção de atores que predomina hoje nos EUA não tem muito a ver com essa ideia de transe ou da incorporação de um personagem. Isso se transformou em algo muito mais pragmático, muito mais próximo da lógica da indústria. A indústria quer que você finja, eles acham que representar é necessário para se contar uma história, e eu, não. Eu digo aos atores: você não tem de representar. Só tem que viver a situação de interpretar uma peça para uma plateia.
Alvim: Seu país tem uma larga tradição em musicais. E você trabalha sempre ou quase sempre com músicas. Como usa as canções nos seus espetáculos?
Maxwell: Quero saber como o teatro pode tirar vantagem daquilo que só o teatro pode oferecer. O que não tem relação com esse pastiche do teatro multimídia contemporâneo. Eu não tenho nada a ver com isso. Quero recuperar o impulso primeiro de se contar uma história da maneira mais básica. Quando falo com os atores, não estou falando de psicologia, mas de ritmo, a linguagem já é musical.
Alvim: O seu trabalho dialoga com quais autores?
Maxwell: Eu não posso responder a Shakespeare, não está em mim. Está muito distante de quem eu sou: um cara do Meio-Oeste americano. Esses autores que surgiram nos anos 1960, como Harold Pinter e Joe Orton, me dizem mais.
Alvim: Seu material temático é amplo. Pode ser uma estação de segurança, uma casa no subúrbio, faroestes, Idade Média. Como escolhe temas tão distintos?
Maxwell: O importante num trabalho é manter uma atitude de aprendiz. Eu não sei nada, sabe? Sei que estou o tempo todo perdendo informações. E isso me dá um sentimento de desespero. Quando o conhecimento se torna fixo e você se comporta como se estivesse ensinado alguma coisa ao público, isso deixa de ser interessante.
Alvim: Neste começo de século vivemos crises no espectro político e social. Como você se coloca como artista nesse contexto, qual a sua contribuição para o teatro neste momento?
Maxwell: Espero ter algum impacto formal no que está acontecendo. Porque você pode ter um teatro político, um teatro, por exemplo, que fale do sofrimento em Guantánamo, e isso é válido. Mas uma coisa que não vejo ser questionada é o jeito como o entretenimento é automático. Ninguém está falando sobre a forma, sobre o jeito como uma história pode ser contada. Você me perguntou sobre influências. O punk rock - a atitude de ter alguém que mal sabe tocar um instrumento em cima de um palco, fazendo música com o coração dela_ isso me parece importante, isso me move. O que aconteceu no punk é formal. E é isso que eu acho que as pessoas podem tirar do que eu estou fazendo.
TRÍPTICO
Burger King
A peça vale-se da rotina de uma rede de hambúrgueres para analisar os mecanismos de controle da sociedade contemporânea
Casa
De forma crua e sintética, mostra o assassinato do pai de uma família suburbana e alienada por um desconhecido
O Fim da Realidade
Em um grande edifício, um homem, trajado como guarda, ataca os outros seguranças de forma indiferenciada
7 AUTORES, 7 DIRETORES, 7 ENCONTROS.
"Amor" é o tema do quarto ano do ciclo 7 Autores, 7 Diretores, 7 Encontros, de maio a novembro. A leitura do mês de julho será do texto "Ligações Perigosas", de Chordelos de Laclos, com direção de Roberto Alvim. Coordenação geral de Eugênia Tereza de Andrade. Teatro Anchieta.
Com Juliana Galdino, Marat Desc...artes, José Geraldo Jr, Janaína Afhonso, Karine Carvalho, Júlia Novaes, Ricardo Grasson, Rodrigo Pavoon e Anapaula Csernick
quarta-feira, 21 de julho de 2010
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Teatro: Tríptico
Do site: http://www.revistastravaganza.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=186
EDIGAR OLIMPIO DE SOUZA
Pode-se não curtir ou até gostar demais do espetáculo da Cia Club Noir, mas o fato é que não dá para ficar indiferente. O dramaturgo norte-americano Richard Maxwell, cuja obra experimental incomoda quem gosta de texto linear, tem predileção pela ruptura da tradição. Por sua vez o diretor Roberto Alvim não se submete ao chamado teatro convencional e investe na subversão da convenção. A montagem, que funde ambas as propostas, é para quem se dispõe a enfrentar desafios. Com uma estética que prioriza a força da palavra, a imobilidade dos atores, a demolição do tempo e espaço e a penumbra na cena, Alvim não facilita a fruição do público. O diretor é tão apegado à sua pesquisa formal que não está errado afirmar que qualquer texto acaba diluído numa espécie de chassi cênico. Quem viu O Quarto, de Harold Pinter, Homem sem Rumo, de Arne Lygre, e Comunicação à Uma Academia, de Franz Kafka, autores e enredos tão distintos, observou um exercício caracterizado pela indistinção estética. A impressão é a de que quem viu um viu todos. Cabe ressalvar que a obra provocativa de Maxwell parece coabitar sem ruídos o teatro provocador de Alvim. As três peças reunidas, de tramas aparentemente banais e encenadas em dias alternados, embutem discussões tão contemporâneas quanto profundamente desconfortáveis. Em Burger King, o ambiente de uma franquia da rede de hambúrgueres funciona como uma escola de desumanização e impessoalidade, que iguala tudo e todos. Casa expõe o processo de banalização das relações em uma família classe média. Apatia, passividade e a ânsia por uma crença pontuam o comportamento dos agentes de seguranças de uma empresa em O Fim da Realidade.
Em todos os casos, além da percepção dos mecanismos de controle social e da influência de Beckett, o que sobressai é um retrato cru, absurdo, cínico e violento de uma sociedade que aliena e se alienou. Um documento sensível, mas amargo, da trágica época em que vivemos. Tudo mostrado sem traumas e sofrimentos, de forma inacreditavelmente corriqueira. Os personagens até falam uns com os outros, riem e discutem, quase sempre seguindo uma partitura de poucas notas e inflexões. No entanto, em ironia seca, precem mais falar de e para si. Por momentos, chegam a cantarolar letras paródicas. Nota-se um desespero sutil por uma busca de identidade perdida. Com mínima interação física, rigoroso trabalho vocal do elenco, pouco investimento emocional, silêncios e pausas, a encenação trata de romper clichês previsíveis e tonificar a atmosfera de monotonia. O tédio, porém, faz parte do jogo do autor e diretor, mas não domina o ambiente por conta da curta duração de cada espetáculo (máximo de 45 minutos). A repetição obsessiva de procedimentos já vistos em outros trabalhos do grupo, diga-se, não significa redundância. É uma tentativa, parcialmente eficiente, de criar novos significados. Desdramatizada, minimalista e de forte assinatura, as três montagens requerem comprometimento e curiosidade do público para o risco, além de algum esforço de compreensão. A iluminação fria e rarefeita, que tem como contrapartida o aviltamento da máscara facial, torna-se uma estratégia - a parte não vista deve ser concluída pelo espectador. Curiosamente os personagens se apresentam por inteiro, mas sabemos pouco deles ao final. Potencializado por uma encenação escassa e dura, Maxwell faz uma radiografia cruel desse admirável mundo novo, em que todos vêem com estranheza o seu semelhante.
EDIGAR OLIMPIO DE SOUZA
Pode-se não curtir ou até gostar demais do espetáculo da Cia Club Noir, mas o fato é que não dá para ficar indiferente. O dramaturgo norte-americano Richard Maxwell, cuja obra experimental incomoda quem gosta de texto linear, tem predileção pela ruptura da tradição. Por sua vez o diretor Roberto Alvim não se submete ao chamado teatro convencional e investe na subversão da convenção. A montagem, que funde ambas as propostas, é para quem se dispõe a enfrentar desafios. Com uma estética que prioriza a força da palavra, a imobilidade dos atores, a demolição do tempo e espaço e a penumbra na cena, Alvim não facilita a fruição do público. O diretor é tão apegado à sua pesquisa formal que não está errado afirmar que qualquer texto acaba diluído numa espécie de chassi cênico. Quem viu O Quarto, de Harold Pinter, Homem sem Rumo, de Arne Lygre, e Comunicação à Uma Academia, de Franz Kafka, autores e enredos tão distintos, observou um exercício caracterizado pela indistinção estética. A impressão é a de que quem viu um viu todos. Cabe ressalvar que a obra provocativa de Maxwell parece coabitar sem ruídos o teatro provocador de Alvim. As três peças reunidas, de tramas aparentemente banais e encenadas em dias alternados, embutem discussões tão contemporâneas quanto profundamente desconfortáveis. Em Burger King, o ambiente de uma franquia da rede de hambúrgueres funciona como uma escola de desumanização e impessoalidade, que iguala tudo e todos. Casa expõe o processo de banalização das relações em uma família classe média. Apatia, passividade e a ânsia por uma crença pontuam o comportamento dos agentes de seguranças de uma empresa em O Fim da Realidade.
Em todos os casos, além da percepção dos mecanismos de controle social e da influência de Beckett, o que sobressai é um retrato cru, absurdo, cínico e violento de uma sociedade que aliena e se alienou. Um documento sensível, mas amargo, da trágica época em que vivemos. Tudo mostrado sem traumas e sofrimentos, de forma inacreditavelmente corriqueira. Os personagens até falam uns com os outros, riem e discutem, quase sempre seguindo uma partitura de poucas notas e inflexões. No entanto, em ironia seca, precem mais falar de e para si. Por momentos, chegam a cantarolar letras paródicas. Nota-se um desespero sutil por uma busca de identidade perdida. Com mínima interação física, rigoroso trabalho vocal do elenco, pouco investimento emocional, silêncios e pausas, a encenação trata de romper clichês previsíveis e tonificar a atmosfera de monotonia. O tédio, porém, faz parte do jogo do autor e diretor, mas não domina o ambiente por conta da curta duração de cada espetáculo (máximo de 45 minutos). A repetição obsessiva de procedimentos já vistos em outros trabalhos do grupo, diga-se, não significa redundância. É uma tentativa, parcialmente eficiente, de criar novos significados. Desdramatizada, minimalista e de forte assinatura, as três montagens requerem comprometimento e curiosidade do público para o risco, além de algum esforço de compreensão. A iluminação fria e rarefeita, que tem como contrapartida o aviltamento da máscara facial, torna-se uma estratégia - a parte não vista deve ser concluída pelo espectador. Curiosamente os personagens se apresentam por inteiro, mas sabemos pouco deles ao final. Potencializado por uma encenação escassa e dura, Maxwell faz uma radiografia cruel desse admirável mundo novo, em que todos vêem com estranheza o seu semelhante.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
"Tríptico" indica com vigor os caminhos futuros do teatro
Do site: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1007201013.htm
CRÍTICA DRAMA
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Dramas não dramáticos para reinventar o teatro. As peças de Richard Maxwell que integram a série de espetáculos "Tríptico" convergem com o projeto que Roberto Alvim desenvolve desde 2008 no seu Club Noir.
Ambos os artistas têm em comum, além de serem dramaturgos e encenadores, a recusa a uma teatralidade convencional.
Maxwell é hoje, talvez, o mais radical dramaturgo norte-americano e um dos mais inventivos do mundo. Com sua companhia, a New York City Players, já encenou em diversos países 18 de seus textos, desde 1996.
Na contramão da tradição dramática que quer reproduzir a vida real no palco, ele crê que a realidade da cena é insubstituível. Ou seja, o que é real é a encenação.
Alvim compartilha essa curiosidade pelas potências ignotas da cena. Nos seus últimos trabalhos já vinha utilizando, por exemplo, cada vez menos luz e movimento.
Agora, com essas três peças, ele avança nessa investigação, respondendo ao sistema dramatúrgico desenvolvido por Maxwell com um modelo próprio e característico de encenar.
As montagens podem ser assistidas em qualquer ordem, mas têm em comum uma combinação de opacidade dramática e verticalidade dos conteúdos que emanam dos textos.
No primeiro, "Burger King", o ambiente é uma lanchonete; no segundo, "Casa", um núcleo familiar de classe média; e no terceiro, "O Fim da Realidade", uma empresa de segurança.
Nos três casos, esses universos habitualmente tratados dramaticamente com clichês e personagens rasos, reaparecem transfigurados, revelando relações densas que os padrões de tratamento do realismo psicológico jamais alcançariam.
Essa característica da dramaturgia de Maxwell -como um Beckett que, abandonando as abstrações, voltasse ao cotidiano- é incorporada e amplificada pelo minimalismo da encenação de Alvim.
Uma sintaxe de poucos e nítidos movimentos com iluminação mínima e fria, alternados por escuros totais e pontuados por irônicos micromomentos musicais.
Também convergentes são os estilos de interpretação dos atores, tanto os da companhia de Maxwell como os dos espetáculos do Club Noir. Eles são, ao mesmo tempo, naturais e contidos, maquinais e intensos, sem ênfase e agudos, e cumprem rigorosa partitura, que serve ao conjunto com eficácia.
"Tríptico" não deve arrebatar as massas, mas indica com argúcia e vigor raros no panorama atual os caminhos futuros do teatro.
--------------------------------------------------------------------------------
TRÍPTICO
QUANDO sex., às 21h ("Burger King"), sáb., às 21h h ("Casa"), e dom., às 20h ("O Fim da Realidade"); até 26/9
ONDE Club Noir (r. Augusta, 331, tel. 0/xx/11/ 3255-8448)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo
CRÍTICA DRAMA
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Dramas não dramáticos para reinventar o teatro. As peças de Richard Maxwell que integram a série de espetáculos "Tríptico" convergem com o projeto que Roberto Alvim desenvolve desde 2008 no seu Club Noir.
Ambos os artistas têm em comum, além de serem dramaturgos e encenadores, a recusa a uma teatralidade convencional.
Maxwell é hoje, talvez, o mais radical dramaturgo norte-americano e um dos mais inventivos do mundo. Com sua companhia, a New York City Players, já encenou em diversos países 18 de seus textos, desde 1996.
Na contramão da tradição dramática que quer reproduzir a vida real no palco, ele crê que a realidade da cena é insubstituível. Ou seja, o que é real é a encenação.
Alvim compartilha essa curiosidade pelas potências ignotas da cena. Nos seus últimos trabalhos já vinha utilizando, por exemplo, cada vez menos luz e movimento.
Agora, com essas três peças, ele avança nessa investigação, respondendo ao sistema dramatúrgico desenvolvido por Maxwell com um modelo próprio e característico de encenar.
As montagens podem ser assistidas em qualquer ordem, mas têm em comum uma combinação de opacidade dramática e verticalidade dos conteúdos que emanam dos textos.
No primeiro, "Burger King", o ambiente é uma lanchonete; no segundo, "Casa", um núcleo familiar de classe média; e no terceiro, "O Fim da Realidade", uma empresa de segurança.
Nos três casos, esses universos habitualmente tratados dramaticamente com clichês e personagens rasos, reaparecem transfigurados, revelando relações densas que os padrões de tratamento do realismo psicológico jamais alcançariam.
Essa característica da dramaturgia de Maxwell -como um Beckett que, abandonando as abstrações, voltasse ao cotidiano- é incorporada e amplificada pelo minimalismo da encenação de Alvim.
Uma sintaxe de poucos e nítidos movimentos com iluminação mínima e fria, alternados por escuros totais e pontuados por irônicos micromomentos musicais.
Também convergentes são os estilos de interpretação dos atores, tanto os da companhia de Maxwell como os dos espetáculos do Club Noir. Eles são, ao mesmo tempo, naturais e contidos, maquinais e intensos, sem ênfase e agudos, e cumprem rigorosa partitura, que serve ao conjunto com eficácia.
"Tríptico" não deve arrebatar as massas, mas indica com argúcia e vigor raros no panorama atual os caminhos futuros do teatro.
--------------------------------------------------------------------------------
TRÍPTICO
QUANDO sex., às 21h ("Burger King"), sáb., às 21h h ("Casa"), e dom., às 20h ("O Fim da Realidade"); até 26/9
ONDE Club Noir (r. Augusta, 331, tel. 0/xx/11/ 3255-8448)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo
H.A.M.L.E.T é indicado na categoria "Iluminação" ao prêmio Shell
Assinar:
Postagens (Atom)