Do site: http://www.revistastravaganza.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=186
EDIGAR OLIMPIO DE SOUZA
Pode-se não curtir ou até gostar demais do espetáculo da Cia Club Noir, mas o fato é que não dá para ficar indiferente. O dramaturgo norte-americano Richard Maxwell, cuja obra experimental incomoda quem gosta de texto linear, tem predileção pela ruptura da tradição. Por sua vez o diretor Roberto Alvim não se submete ao chamado teatro convencional e investe na subversão da convenção. A montagem, que funde ambas as propostas, é para quem se dispõe a enfrentar desafios. Com uma estética que prioriza a força da palavra, a imobilidade dos atores, a demolição do tempo e espaço e a penumbra na cena, Alvim não facilita a fruição do público. O diretor é tão apegado à sua pesquisa formal que não está errado afirmar que qualquer texto acaba diluído numa espécie de chassi cênico. Quem viu O Quarto, de Harold Pinter, Homem sem Rumo, de Arne Lygre, e Comunicação à Uma Academia, de Franz Kafka, autores e enredos tão distintos, observou um exercício caracterizado pela indistinção estética. A impressão é a de que quem viu um viu todos. Cabe ressalvar que a obra provocativa de Maxwell parece coabitar sem ruídos o teatro provocador de Alvim. As três peças reunidas, de tramas aparentemente banais e encenadas em dias alternados, embutem discussões tão contemporâneas quanto profundamente desconfortáveis. Em Burger King, o ambiente de uma franquia da rede de hambúrgueres funciona como uma escola de desumanização e impessoalidade, que iguala tudo e todos. Casa expõe o processo de banalização das relações em uma família classe média. Apatia, passividade e a ânsia por uma crença pontuam o comportamento dos agentes de seguranças de uma empresa em O Fim da Realidade.
Em todos os casos, além da percepção dos mecanismos de controle social e da influência de Beckett, o que sobressai é um retrato cru, absurdo, cínico e violento de uma sociedade que aliena e se alienou. Um documento sensível, mas amargo, da trágica época em que vivemos. Tudo mostrado sem traumas e sofrimentos, de forma inacreditavelmente corriqueira. Os personagens até falam uns com os outros, riem e discutem, quase sempre seguindo uma partitura de poucas notas e inflexões. No entanto, em ironia seca, precem mais falar de e para si. Por momentos, chegam a cantarolar letras paródicas. Nota-se um desespero sutil por uma busca de identidade perdida. Com mínima interação física, rigoroso trabalho vocal do elenco, pouco investimento emocional, silêncios e pausas, a encenação trata de romper clichês previsíveis e tonificar a atmosfera de monotonia. O tédio, porém, faz parte do jogo do autor e diretor, mas não domina o ambiente por conta da curta duração de cada espetáculo (máximo de 45 minutos). A repetição obsessiva de procedimentos já vistos em outros trabalhos do grupo, diga-se, não significa redundância. É uma tentativa, parcialmente eficiente, de criar novos significados. Desdramatizada, minimalista e de forte assinatura, as três montagens requerem comprometimento e curiosidade do público para o risco, além de algum esforço de compreensão. A iluminação fria e rarefeita, que tem como contrapartida o aviltamento da máscara facial, torna-se uma estratégia - a parte não vista deve ser concluída pelo espectador. Curiosamente os personagens se apresentam por inteiro, mas sabemos pouco deles ao final. Potencializado por uma encenação escassa e dura, Maxwell faz uma radiografia cruel desse admirável mundo novo, em que todos vêem com estranheza o seu semelhante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário