Bibelôs em Transe
O mundo está cheio de olhos. Olhos de gente, olhos de bichos (terrestres, aéreos, marítimos) e talvez até olhos de extraterrestres, que nos espiam como voyeurs do espaço. E o que esses olhos vêem? Que imagens uma baleia vê no fundo mar? Como será que um gavião-real enxerga as montanhas lá de cima? O que um cachorro vê quando nos olha fixamente? E um gafanhoto, o que ele vê com seus olhos multifacetados? O mundo que um mendigo da Praça da Sé vê será o mesmo mundo visto por um executivo da Bolsa de Valores?
Quantas vezes passamos diante de algo e seguimos em frente sem ver o que estava ali? Esse jogo de olhar e ver ou olhar e não ver pode ser fatal se pensarmos numa surucucu enrolada no meio de uma espessa folhagem e só vista quando já é tarde demais, quando as presas já penetraram no tornozelo. Ou pode se transformar numa brincadeira curiosa e inesperada quando um fotógrafo vê algo insuspeitado e dispara sua câmera.
O que chama mais atenção, de imediato, na série de fotos Bibelôs em Transe, de Edson Kumasaka é esse jogo do olhar de quem vê e do olhar de quem é visto. Ainda mais porque, nesse caso, “quem” é visto não é exatamente “alguém”. Mas não há como deixar de ver as expressões expressas nos olhares desses bibelôs: umas são abertamente catatônicas, meigas ou desconfiadas, outras são francamente assustadoras.
Quantas vezes passamos diante de prateleiras de lojas e não vimos o mesmo que Edson Kumasaka viu, selecionou, enquadrou e fotografou?
E esse é o ponto mais interessante desse jogo: o fotógrafo não tirou os bibelôs dos seus lugares, não os levou para um estúdio, não escolheu a luz adequada para captar a imagem: ele fotografou ali mesmo, nas prateleiras, ali, onde eles estavam. Fez uma espécie de ready-made ao contrário: em vez de deslocar um objeto banal para um espaço com status artístico (um museu ou um estúdio fotográfico), enquadrou o objeto no próprio local em que estava e trouxe para um “espaço de arte” (a galeria ou as páginas de uma revista) apenas a sua imagem, filtrada e construída, obviamente, pelo seu olhar, com auxílio técnico da câmera fotográfica.
Parece bobagem. Mas, pode ter certeza: quem olhar e ver essas fotos jamais vai olhar para esses bibelôs da mesma maneira. Daqui pra frente, eles sempre estarão em transe.
Mesmo aquele inocente e kitsch pingüim que você tem em cima da geladeira.
Ademir Assunção
Serviço
de terça a sábado, da 10h às 21h
domingo, das 16 às 20h
club noir. rua augusta, 331. 3255 8448
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