teatro - bistrô - café - livraria - jazz
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Primeira crítica de "As Suplicantes". Do blog Traços Urbanos, por Marco Antonio André
do blog: http://tracosurbanos.blogspot.com.br/2012/06/hiketides-as-suplicantes.html
Demora um certo tempo para se apreciar um estranho.
O negro é a ausência de luz.
O branco é a ausência de tudo, o vazio, o nada.
O branco é o espaço a ser ocupado. Ou não.
O negro é a sombra de onde tudo pode surgir, onde alguma coisa pode acontecer. Ou não.
Quando o abstracionista russo Kazimir Malevich, em estado de total perturbação, pintou "Quadrado Negro Sobre Fundo Branco", buscava exatamente a liberdade de pensar, rompendo com todas as referências e rompendo radicalmente com todas as formas de representação.
"Quadrado Negro Sobre Fundo Branco" aparece na abertura do programa Peep Classics Ésquilo, projeto da Cia Club Noir e traduz com exatidão o trabalho de seu diretor Roberto Alvim e a proposta da própria companhia.
O projeto Peep Classics Ésquilo traz a obra completa do pai da tragédia em 6 espetáculos, estreando mês a mês,começando por As Suplicantes.
Um cubo vazado e uma lâmpada fria, 5 atores em cena praticamente imóveis e fragmentos do texto de Ésquilo. As suplicantes é o trabalho mais radical do diretor Roberto Alvim, dentro de sua proposta do Teatro do Transumano, rompendo com todos os padrões do velho teatro e transcendendo as limitações do homem - seja ele autor, ator ou público - e as limitações da própria obra.
Criando pontos de interrogação que flutuam sem perguntas e sem respostas, Alvim vai além dos sentidos e do significado, instalando um momento de caos sombrio de onde possam surgir novas idéias, um novo teatro.
Sim, o trabalho de Roberto Alvim é estranho, principalmente para nós, público leigo, acostumados a ver o trabalho de pessoas que fazem teatro e raramente temos acesso aos que pensam o teatro. É estranho, muito estranho, mas é absolutamente poético.
Escrita por volta de 463 a.C., As Suplicantes é a única peça que sobreviveu de uma tetralogia (As Suplicantes / Os Egípcios / As Danaides e o texto satírico Amimone). O nome em grego, Hikétides, significa ao mesmo tempo “recém-chegadas” e “suplicantes”.
O texto original narra a história das 50 filhas de Dânao, fugindo de um casamento arranjado com seus primos, os 50 filhos de Egito. Elas chegam a Argos buscando asilo político e religioso, declarando-se descendentes da antiga princesa de Argos. Apatridas e perseguidas, as recém-chegadas suplicantes causam estranheza ao povo argivo, que demora um pouco a acolhe-las.
Na adaptação de Alvim, pouco se vê do texto original mas há uma potencialização da essência, da força por trás da intenção das palavras. Inclusive as suprimidas.
Colocar os mais antigos textos dramáticos de que se tem notícia em uma proposta tão vanguardista, funde os dois extremos da timeline, fechando o quadrado e criando esse espaço de sombra ao qual Roberto Alvim, assim como Malevich em sua obra, se refere como "um furo no real", o avesso de um buraco negro que pode trazer à
tona a possibilidade de uma "novaoutra (est)ética".
A transmissão de inconscientes.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário