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sábado, 3 de novembro de 2012

Jornal O GLOBO traz Peep Classic Ésquilo


  • http://oglobo.globo.com/cultura/montagens-de-esquilo-sofocles-trazem-alguns-dos-maiores-nomes-do-teatro-nacional-6625925#ixzz2IXDtWzsK 

  • Clássicos voltam aos palcos simultaneamente no Rio e em São Paulo

  • RIO - Pode-se dizer que é um momento raro no cenário teatral brasileiro: Ésquilo e Sófocles, dois autores que fundaram a tragédia grega, ganham no espaço de uma semana montagens relevantes no Rio e em São Paulo — sem falar que Eurípedes, outro nome fundamental do gênero, foi encenado até a última terça-feira por formandos da CAL. Adaptações, reinvenções e (ins)pirações desses clássicos não faltaram ao longo dos anos — com maior ou menor sucesso. Mas agora, além da coincidência de datas, as encenações mergulham fundo nos originais de Ésquilo e Sófocles e chamam a atenção pelos nomes envolvidos em cada uma das produções.

  • A partir deste sábado, a atriz Malu Galli se divide entre a direção, com Bel Garcia, e a cena, ao lado de Gisele Fróes, Luciano Chirolli, Otto Jr., Júlio Machado e Daniela Fortes, em “Oréstia”, de Ésquilo, que estreia na Casa de Cultura Laura Alvim. Na semana que vem, Eduardo Wotzik comanda um elenco de peso e multigeracional, que reúne Amir Haddad, Gustavo Gasparani, Cesar Augusto, Eliane Giardini, Rogério Fróes e Fabianna de Mello e Souza, entre outros, em sua montagem para “Édipo Rei”, de Sófocles, que chega ao Espaço Sesc dia 8. Enquanto isso, em São Paulo, o fundador da Cia. Club Noir, Roberto Alvim, também se volta para Ésquilo em “Oresteia II”, que estreou ontem, tendo a seu dispor Juliana Galdino, que protagonizou a série de tragédias (“Medeia”, “Medeia II” e “Antígona”) dirigida por Antunes Filho entre 2001 e 2005.

  • — Como nós, Sófocles era um homem de teatro, com a vantagem de ter sido o criador do melhor teatro — diz Wotzik. — É por isso que não faço releitura. Estou integralmente concentrado no texto, fazendo um esforço hercúleo para revelar alguma parte de tudo o que ele nos possibilita. “Édipo” é um estudo arqueológico do homem, da fundação do que nos marca. Estamos diante do princípio do teatro, do direito e da psicanálise, mas nos atemos ao teatro, porque a obra de Sófocles dá a nítida sensação de que o teatro é a maior invenção da Humanidade.

  • Obra ancestral
  • Malu e Alvim voltam-se ao mais antigo dos autores trágicos, Ésquilo, e montam sua obra derradeira, “Oréstia”, ou “Oresteia”. Trilogia composta por “Agamêmnon”, “Coéforas” e “Euménides”, a trama começa após a vitória dos gregos na Guerra de Troia, quando Agamêmnon retorna a Argos vitorioso por ter vingado a honra de seu irmão, mas é traído e assassinado por sua esposa, Climnestra, e pelo amante desta, Egisto. Na segunda parte, Orestes e Electra, filhos de Agamêmnon, vingam sua morte, matando a mãe e seu amante. Já o final centra-se no julgamento de Orestes, que é absolvido. A trama é a mesma, e as motivações para encená-la são similares — mas o modo de levá-la à cena não, claro.

  • — Além de a história ser apaixonante, Ésquilo estabelece a tragédia como gênero — diz Malu. — Sua obra é ancestral, então todo o nosso imaginário e toda a dramaturgia ocidental devem a ele. Ésquilo é como uma arca, de onde parte tudo o que nos constitui. Foi um encontro.

  • Carioca radicado em São Paulo desde 2005, Roberto Alvim encena “Oresteia II” como a etapa final do projeto “Peep classic Ésquilo”, que levou à sede do Club Noir as peças “As suplicantes”, “Os persas”, “Sete contra Tebas” e “Prometeus” e a trilogia “Oréstia”, dividida em duas partes (a primeira ele estreou em abril). Mas o diretor não decidiu encená-las por reconhecê-las como constituintes do que somos, e sim pelo fato de esses textos suscitarem múltiplas visões e “possibilidades do humano”.

  • — Ésquilo instaura formas de vida que se configuram como alteridades radicais em relação à nossa vivência contemporânea — diz. — Ele transfigura tanto a nossa experiência de tempo e espaço quanto a nossa ideia estabelecida sobre o que seja a Humanidade. Assim, sua dramaturgia atua, hoje, como uma reinvenção do homem e do teatro.

  • Para Alvim, a poética de Ésquilo funda um teatro que não se configura como um “espelho do mundo”:

  • — Não nos reconheceremos, nem a nós, nem ao nosso mundo, nessas obras — diz. — O que veremos são outros mundos, habitados por outras formas de vida. A estética de Ésquilo estabelece outra possibilidade do humano.

  • Antecessor de Sófocles e Eurípides, Ésquilo instaura as bases da tragédia e introduz o segundo ator em cena, possibilitando o diálogo entre dois personagens e a triangulação com o coro. Em sua obra, os enredos são guiados por traições, vinganças, assassinatos... Em suma: destinos humanos regidos pelos ditames dos deuses e, por isso, incontornáveis, irrefreáveis, enfim, trágicos. Nas obras trágicas, a fatalidade dos acontecimentos escapa e supera a ordem da razão.

  • — “Oresteia” carrega uma qualidade de testamento artístico-existencial do autor — diz Alvim. — Orestes mata a própria mãe, quebrando a base de qualquer possibilidade civilizatória; e, surpreendentemente, Ésquilo o absolve do crime e permite que Orestes siga em frente, numa jornada que nos levará a uma instância desconhecida, distante de qualquer normatização.
  • Essa incapacidade de fixar normas e de se ater à razão também rege a visão de Malu. Para ela, as ações inevitáveis dominam o jogo:
  • — Ésquilo fala ao inconsciente, de um modo em que o racional não dá conta — diz ela. Mas nem por isso a emoção sai de cena.— A tragédia tem que chegar ao coração, tem que afetar as pessoas — diz Malu. — Mas é uma qualidade de emoção diferente. Somos formados pelo drama, então tivemos que descobrir como atingir a emoção no trágico, em que o personagem não conta algo que leva à emoção, ele age. Na tragédia, a emoção vem da ação, do gesto preciso, essencial, que fala por si. Não há crise, consciência ou elaboração mental.

  • A peça-mãe do teatro
  • Emoção esta que irrompe a partir do que Aristóteles designa como catarse. Para o filósofo, a tragédia cumpre sua função ao purgar a emoção dos espectadores, a partir da compaixão e do terror gerado pelos infortúnios do herói trágico. Mas a catarse é posta de lado no trabalho de Alvim.

  • — A dita “função catártica” é apenas a visão de Aristóteles — diz. — Essas obras nunca tiveram como função provocar catarse alguma. As tragédias de Ésquilo são a instauração poética de forças de diferentes intensidades, que presentificam uma visão heraclítica (pré-socrática) da vida, da ordem da alteridade radical em relação à nossa forma de vivenciar a humanidade.

  • Visão oposta têm Eduardo Wotzik e Gustavo Gasparani, idealizadores da nova montagem para “Édipo Rei”.

  • — Não queríamos montar “Édipo” numa pesquisa de linguagem — diz o ator.

  • Para o diretor, a catarse é o fundamento da tragédia.

  • — Trabalho arduamente para criar um ritual cênico capaz de levar o espectador à catarse. Busco a comunicação direta e emocional — diz Wotzik. — Sófocles criou o teatro oficial, e não o experimental. Construiu histórias emocionais, e é por isso que eu faço um Édipo que provoca vibração, emoção. A tragédia foi usada por eruditos em jogos de poder, traduzida por estes de forma complexa para dificultar a compreensão, foi usada por criadores alternativos em exercícios de ego, todas formas de distanciá-la de sua origem, que é popular. Quero devolver a tragédia à população. Houve uma tentativa de nos deixar órfãos delas, e é por isso que eu resgato esta peça-mãe do teatro.

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